Foram as minhas reflexões acerca da psicologia das relações amorosas que me levaram a esta questão, que considero nuclear. É, sem dúvida, o amor que preenche ou deve preencher a relação amorosa e que justifica a sua existência. «Namorar» significa, literalmente, «estar em amor com», e a própria palavra «amor» surge no verbo «namorar» e no substantivo «namoro».
Então, o sucesso de uma relação amorosa passa, em primeiro lugar, pela capacidade dos seus intervenientes de «amar». E como se revela esta capacidade?
Parece-me que a capacidade de amar o Outro depende sempre da capacidade de se amar a si próprio. Aquele que não se ama dificilmente poderá amar outrem. Isto está obviamente relacionado com os conceitos de «amor narcísico» e «amor objectal» presentes na teoria psicanalítica. Para algumas facções, o amor narcísico é anterior ao objectal, ontogenética e estruturalmente falando. O segundo depende da qualidade do primeiro e jamais será conseguido em plenitude se esse primeiro alicerce não estiver devidamente estabelecido.
A minha experiência clínica e observacional tem-me permitido reforçar esta hipótese por meio do estudo das personalidades narcísicas. Deixou-me entrever que as personalidades com uma grave falha narcísica não amam propriamente o Outro, mas amam-se através dele. A sua relação com o outro situa-se num plano especular no qual o Outro é o espelho que lhe reflecte o amor investido. É o próprio Ego continente e conteúdo desse amor, ponto de partida e ponto de chegada. O historial amoroso destas personalidades encontra-se clivado em dois pólos opostos: o desinteresse total ou o apego exacerbado e dependente. Idealização e desidealização são os mecanismos que os sustêm, nos quais ainda jaz de fundo um mecanismo de clivagem do objecto ou das imagos. Em suma, trata-se de um amor narcísico e anobjectal, que reflecte por um lado a ferida narcísica e por outro as tentativas de a suturar.
Parece-me lógico considerar que nestas personalidades a incapacidade de amar objectalmente advém de uma falha do amor narcísico. Este raciocínio leva-nos então a perceber que o amor objectal é posterior ao amor narcísico e que do ponto de vista económico o Ego é o recipiente primordial, e somente a sua irrigação libinal quanto baste permitirá a partilha dessa mesma líbido. Nas personalidades narcísicas, o seu Ego/recipiente encontra-se permanentemente fissurado, o que origina um problema económico de raiz. O investimento «suficientemente bom» é-lhes frequentemente uma lida impossível, tanto no seu Ego como no Outro.
5 comentários:
É, sem sombra de dúvida, através do outro que aprendemos a amar.
Concordo plenamente que o ‘amor objectal’ surja depois do ‘amor narcísico’ e isso está chapado quando temos perante nós uma Patologia Narcísica da Personalidade. O teu ponto de vista está muito bem apresentado e não coloco nada em causa, até porque já correu muita tinta em volta disto!!
Contudo, às vezes penso que é um pouco como a questão ‘Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?’.
Se há casos em que um bebé é atirado ao mundo, não é minimamente idealizado e investido pelo objecto materno e que, consequentemente, não é narcisado, conseguindo desenvolver a capacidade de amar, então temos um verdadeiro pequeno-grande herói! Sei que não é preciso ir tão longe, mas isto verifica-se muito nos casos de toxicodependência materna. Uma criança destas, se não é pegada a tempo para se restaurar a falha narcísica, muito provavelmente vai desenvolver uma patologia grave, que não necessariamente a Patologia Narcísica. Feridas narcísicas mais ou menos levamos todos nós e não construímos necessariamente uma personalidade narcísica.
Assim de repente ocorre-me uma das piores psicopatologias mais precoces que me deixa arrepiada: a Psicose Infantil. A criança defende-se deste ‘desamor’ materno virando-se para ela própria e construindo a sua realidade. É brutal, não é?
PS: Sei que fugi ao tema, mas foi um desabafo! ;)
«Brutal» é realmente o termo apropriado... Mas muito tem sido dito e escrito sobre a psicose infantil (nomeadamente do espectro do autismo) actualmente que põe a hipótese psicogenética em causa. As hipóteses psicanalíticas, sobretudo, foram muito criticadas por pais e educadores que consideram que a atribuição explicativa da psicose infantil culpabiliza injustamente o papel materno. Tem sido uma tendência predominante tentar encontrar a etiologia do autismo no estudo bioneurológico e biogenético, e apesar de a minha corrente ser psicanalítica devo admitir que tal tendência não está de todo desfasada da realidade... No autismo não conheço bem, mas na esquizofrenia (cuja etiologia é também procurada pela psicanálise nas relações tóxicas precoces) conheço o trabalho de dois investigadores franceses (Dalery e Damato, se não me falham os nomes) que afiançam e em muito a hipótese biogenética. Esta é uma tendência que apenas poderá aumentar e expandir-se para outras áreas, e muitas vezes temo pelo próprio «autismo» da psicanálise quanto a tudo isto...
Cada qual com a sua perspectiva, mas não concordo com posições extremistas. No caso da Psicose Infantil, onde se pode incluir o Autismo, não ignoro a existência de uma predisposição genética, mas o que é certo é que há sempre uma falha precoce muito grave. Coincidência, talvez! ;)
A questão etiológica é sempre um enigma fundamental. Infelizmente acaba quase sempre reduzida a um choque de «capelinhas» onde cada qual puxa a brasa à sua sardinha!
O ser humano é biopsicossocial e a sua análise parcial desemboca sempre numa mutilação da sua real complexidade. É a sina dos que estudam o ser humano sentirem sempre que, por muito que se conheça, muito mais ficou por conhecer. Para cada resposta surge mais um dúzia de novas perguntas e, não obstante, é inevitável distinguir «academicamente» pontos de vista e perspectivas. Penso que ainda não temos real capacidade para encarar o ser humano de uma forma holística, por muito que se tente, então vemo-nos forçados a especializar as «escolas» e deixar que cada uma estude por si um fenómeno comum... ok, isto foi um desabafo:)!
Eu penso que muitas pessoas nem sabe o que é amar, sabem o q é explorar. amar a si próprio depois o outro pode ser individualismo e querer do outro aquilo q ele não consegue produzir. Portanto relacionamento a dois geralmente criadora de doenças.
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