terça-feira, agosto 29, 2006

Algumas Implicações Psicológicas da Anatomia Sexual

O presente post apresenta uma reflexão pessoal, bastante díspar do outrora escrito sobre esta matéria. A psicanálise desempenhou, neste ponto, um papel fundamental, do qual a adaptação da tragédia de Sófocles me parece o maior representante. Sem dúvida que a anatomia dos sexos foi já explorada tendo em conta as suas implicâncias na psique e no comportamento humanos. Conquanto, ficar-me-ei por uma abordagem particular, tão individual como criticável, partindo simultaneamente de duas correntes: a freudiana e a darwiniana.


A meu ver, existe uma fatia substancial do comportamento humano que pode ser explicada pela compreensão das implicações psicológicas da anatomia sexual. Por «anatomia sexual» entendo não somente a anatomia dos sexos mas também a anatomia do acto sexual, explorada de um ponto de vista muito básico. Quer isto dizer que reconheço importância psicológica na diferença anatómica dos sexos (num suporte edipiano) bem como na anatomia da relação sexual. Mas falarei principalmente nesta última.


A grande maioria das sociedades humanas é patriarcal, podendo ser monogâmica ou poligâmica. Ser «patriarcal» implica que o homem/pai é o representante máximo da família, o qual passa o nome aos filhos para advogar culturalmente a sua descendência genética. Mas ser «patriarcal» acarreta também um juízo de valor já estereotipado, tão comum como erróneo, que no extremo dá pelo nome de «machismo», este compreendendo um arquétipo de superioridade masculina e soberania sobre a mulher.


No nosso «pequeno Portugal» existem tantas manifestações subtis de machismo quantas as que quisermos encontrar, e presumo que estas não sejam unicamente lusitanas. Acho especialmente interessante o cortejar, culturalmente definido para dar a iniciativa ao homem e o acolhimento (dessa diligência) à mulher, e este conceito está tão mais presente quanto mais tradicionalista for a microssociedade familiar (lembro-me de uma discussão com uma amiga que, vinda de um meio tradicional, não conseguia pura e simplesmente conceber que a mulher pudesse «dar o passo», isto é, tomar a iniciativa, em contraposição com a minha teoria do «quem quer, vai…»). Menos subtil é a atribuição social de valor ao homem e à mulher pela diversidade de experiências sexuais (e não precisam de ser simultâneas…) – o homem é um «garanhão» (atribuição positiva de valor, que realça a sua virilidade) e a mulher é o equivalente feminino de «puto» (atribuição negativa, de libertinagem e promiscuidade). No mesmo sentido vai a tolerância ao adultério, também ela diferente no homem e na mulher e no qual a rotulagem passa por um processo idêntico.


Um aspecto que queria referir separadamente é o do ciúme. Numa relação em que ambos os intervenientes já tiveram experiências sexuais anteriores este passado é entendido de forma diferente no homem e na mulher: para a mulher, «ele já teve outras»; para o homem, «ela já foi tida por outros». É esta noção de «ter» e de «posse», muito diferentes para cada membro do casal, que faz toda a diferença na sua acepção psicológica. O homem «tem» e a mulher «é tida»; o homem «possui» e a mulher «é possuída». Tal revela uma concepção subjacente de que a mulher é «algo» que se possui e o homem o «algo» que possui. No ciúme, a mulher tem de lidar com o facto de que o seu companheiro já teve (ou tem) outras pessoas, enquanto o homem lida com a posse de outrem daquilo que é «seu».


Nesta concepção de «posse» subjaz, a meu ver, a anatomia sexual. «Anatomicamente» falando, é o homem que possui a mulher, toma a iniciativa e desempenha o papel de dominador, e digo «anatomicamente» porque a mulher pode perfeitamente tomar a acção e o domínio da relação sexual. Contudo, o pénis é por natureza um órgão dador e a vagina um órgão receptor. No par actividade/passividade, pode-se afirmar que sexualmente (anatomicamente) o homem desempenha um papel activo (dador) e a mulher um papel passivo (receptor). Acredito veementemente que esta distribuição de papéis sexuais teve um impacto profundo no arranjo dos papéis sociais e culturais que devem caber ao homem e à mulher. No cortejar, por exemplo, o homem deve adoptar um papel activo (tomar a iniciativa) e a mulher um papel passivo (acolher a iniciativa); quando um casal anda de carro, está culturalmente definido que o homem deve tomar o controlo da condução (papel activo); à mesa, somente um homem se pode sentar à cabeceira, etc.


Já na atribuição social de valor pela diversidade de experiências sexuais jaz, a meu ver, uma concepção de provável expressão genética, profundamente adaptativa (em tempos), que premeia a poligamia masculina (assim elevando o seu status quo) por esta ser uma forma de disseminação genética e específica (no sentido biológico de «espécie») assim permitindo a descendência e a variabilidade genética, bem como a censura da mulher que não preenche o seu papel maternal, familiar e centrípeto orientado para o cuido dessa mesma descendência.