quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Da «Neutralidade Benevolente» na Clínica Infantil

A expressão «neutralidade benevolente» no ensino da psicologia clínica como referencial do que deve constituir a atitude do psicólogo atingiu, já, um valor quase axiomático. Esta, tal como a sua própria construção morfológica, anuncia um paradoxo interessante, quase winnicottiano, que o psicólogo deve aceitar e empreender e que se revela numa atitude simultaneamente imparcial e empática, neutra mas disponível – dir-se-ia até passivamente activa – que simultaneamente aceite a entrega do paciente e permita a sua livre expressão, libertando-o da antecipação de preconceitos e recebendo empaticamente a sua queixa e pedido, latentes e manifestos.

Será esta uma atitude aconselhável a promover na clínica com adultos? Sem dúvida. Já na clínica com a criança arrisco dizer que não.

Acredito que para a criança, grosso modo, tudo o que é neutro é absolutamente desinteressante. Esta apenas se mobiliza para um objecto desde que este a desperte para isso. Seja através de cores, formas ou sons apelativos, o objecto necessita de se provar interessante aos olhos de uma criança. Para o ser, ele deve conservar características de vivacidade, dinâmica, animação e movimento, características estas que, como é reconhecido, despertam a atenção da criança. Só assim poderá o objecto, enquanto tal, captar o seu interesse. Da mesma forma que esse objecto, o terapeuta necessita de conquistar a atenção da criança assumindo as características que a apelam e interagir com ela numa base relacional dinâmica mobilizada pelo jogo e pela brincadeira.

O conceito de «neutralidade benevolente», na clínica infantil, perde assim todo o sentido e proficiência clínica. A atitude do terapeuta com a criança deve basear-se numa busca constante da sua atenção e participação activas, não esquecendo, obviamente, as especificidades idiossincráticas de cada criança como ser único, individual e irrepetível (várias crianças diferentes suportam níveis de actividade diferentes, e se para algumas será terapêutico interagir com elas de forma intensa, para outras será efectivamente o contrário). Não obstante a subjectividade necessariamente imposta, o terapeuta infantil deve impor no espaço clínico uma postura dinâmica e activa bastante diferente da requerida nos adultos. A actividade, principalmente a actividade criativa, é o cerne nuclear de toda a psicoterapia infantil: é no jogo e na brincadeira que o funcionamento psíquico da criança se torna interpretável e sujeito à psicoterapia.

É óbvio que a psicoterapia de adultos não se caracteriza por uma adopção da passividade, seja por parte do paciente ou do clínico. É precisamente a qualidade da escuta activa que define e posiciona o papel do terapeuta. Conquanto, se o adulto possui a priori a capacidade de verbalizar o seu estado interno, as suas problemáticas, fantasmas e desejos, a criança, por seu turno, não a tem. E este facto consititui per si a pedra angular na diferença de atitude clínica do terapeuta com o adulto e com a criança. Se no primeiro as técnicas da entrevista permitem a clarificação, dissecação e devolução ao paciente adulto do material verbalizado e não verbalizado, no segundo é o clínico que tem necessariamente de procurar de forma activa esse mesmo material, por intermédio de metodologias bem diferentes daquelas utilizadas na entrevista.

A construção e reconstrução da história, experiência e vivências do paciente são, em todos os casos, o núcleo funcional da psicoterapia. O como fazer, ou seja, as componentes tecnológica e metodológica é que se devem adaptar às necessidades particulares de cada situação. Se com os adultos o processo de construção/reconstrução é acessível por intermédio da linguagem falada, com as crianças esse mesmo processo acontece somente nos mundos do jogo e da imaginação, simbolicamente ricos, férteis à interpretação e (re)elaboração e, como tal, à intervenção psicoterapêutica.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

A Internet e a Exposição Pessoal do Psicólogo

Numa altura de ascensão e domínio da Internet como meio privilegiado de comunicação na sociedade internacional, nela imperando os sites de relacionamento social (como sejam o Hi5 e o MySpace, blogs pessoais, fotoblogs e semelhantes), assiste-se tendencialmente a um movimento de aproximação centrípeto nunca antes visto entre a comunidade, o qual fez com que a Time Magazine honrasse todos os utilizadores da Internet com o título de Person of the Year 2006.

Na cover story desse número da Time, Lev Grossman afirma que a Internet, na sua versão actual, «is a massive social experiment», terminando com uma reflexão, a meu ver, muito interessante: «this is an opportunity to build a new kind of international understanding, not politician to politician, great man to great man, but citizen to citizen, person to person». Sem dúvida, esta tendência mudará o mundo e o relacionamento pessoal tal como o entendemos hoje, afectando todas as faixas etárias e classes sociais, o qual não exclui, obviamente, os psicólogos.

Tal facto leva-nos a questionar o que irá acontecer com a protecção da individualidade do psicólogo e as suas consequências na actividade profissional. Aliás, esta questão põe-se já actualmente, tendo em conta a proliferação e o impacto de sites de relacionamento social, do quais o maior representante em Portugal é o Hi5.

Na literatura científica predomina o conceito que defende a individualidade e a neutralidade do psicólogo, devendo os seus aspectos pessoais como gostos, preferências, valores e referências manter-se ocultos ao paciente. Se até há pouco tempo tudo isso se encontrava protegido, reservado ao círculo social do psicólogo, hoje basta um clique para aceder à sua página do Hi5 ou ao seu blog e com isso conhecer a sua individualidade.

Que tipo de consequências serão acarretadas se tal acontecer numa relação clínica? Se a neutralidade do psicólogo, o seu carácter «cinzento» e desconhecido, constituem uma das suas principais ferramentas clínicas e torna a própria relação terapêutica numa relação diferente de uma amizade ou companheirismo (não só este facto, mas também ele), o que se espera com este trespassar de limites e fronteiras?

Considero esta uma questão muito pertinente e actual, pelo que convido todos os visitantes deste blog a dar a sua opinião sobre ela.