quinta-feira, novembro 19, 2009

Dos Amores Virtuais

Correm o Mundo as notícias de quando acontece. Duas pessoas encontram-se por meio da Internet, partilham gostos, interesses, experiências e apaixonam-se. No entanto, este tipo de amores é ainda visto com alguma desconfiança por muitos. O que dizer daqueles que se apaixonam via Internet?

Em primeiro lugar, o que é necessário para duas pessoas se apaixonarem verdadeiramente? Há quem se apaixone por aquilo que precisa, ao encontrar uma pessoa que preenche as suas necessidades. Há quem se apaixone pelo que idealiza, quando encontra alguém que representa aquilo que se gostaria de ser um dia. No geral, encontra-se nos apaixonados uma base e um enquadramento comuns - valores, referências, interesses, objectivos, projectos - que, aliados à atracção e química física, constituem assim o terreno no qual a paixão e o amor nascem e crescem.

Mas porquê então a desconfiança? Efectivamente, há determinados pormenores nas pessoas que apenas observamos na sua presença física e «real». Mas por outro lado, a forma e o conteúdo do que se escreve num chat é muito elucidativa da pessoa. Como o são os trejeitos, os gestos, o tom musical e afectivo da voz que se podem ouvir e observar numa vídeo-conferência. Apesar de a interacção física se tornar - a partir de certo momento - fundamental, é bastante plausível considerar que é possível inferir muito conteúdo e significado através dos meios disponíveis online.

De facto, a Internet não é muito diferente da realidade na medida em que existem «locais» mais ou menos «credíveis» para se conhecer alguém. Da mesma maneira que é diferente conhecer alguém num jantar ou numa rave, é também diferente conhecer através de um blog minimamente idóneo ou através de um Hi5. Existem contextos diversos na Internet como existem na vida real, e é sabido que o contexto em que a relação começa tem um peso importante no seu desenvolvimento, pois veicula directa ou indirectamente os reais interesses de uma pessoa numa relação, não menosprezando o facto de que este valor é meramente preditivo.

Como tal, a Internet acaba por se demonstrar um sítio tão adequado como a vida real para conhecer pessoas. É apenas um instrumento, e como qualquer instrumento a sua acção depende inteiramente daquilo que fazemos dele.

É contudo bastante claro que é mais fácil dissimular e esconder através da Internet. No entanto, se as pessoas em causa forem minimamente idóneas e responsáveis, se os seus interesses forem minimamente adequados e não assentem numa base de promiscuidade, parece-me tão credível uma relação que tem por base um encontro virtual como um encontro real.

Em última análise, é o factor humano que faz a diferença. São as nossas próprias inclinações, desejos, interdições e projectos que guiam as nossas escolhas e, por consequência, o que delas advém.

«And in the end the love you take is equal to the love you make»
(The Beatles)

Dedicado a Nathy

quinta-feira, novembro 05, 2009

Dislexia

Afirmando-se como uma das perturbações mais comuns e mais encontradas na clínica infantil, a dislexia é demasiadas vezes mal diagnosticada. A complicada e diversa apresentação clínica desta afecção, associada a alguma precipitação (e por vezes ignorância) dos técnicos em contexto clínico e escolar levam muitas vezes à atribuição precoce e errada deste diagnóstico. Este resulta numa catalogação que em nada beneficia a criança, e que por sua vez leva quase sempre a uma intervenção psicoeducativa completamente descontextualizada e desnecessária.
No seu nível etiopatogénico, a dislexia representa essencialmente um défice fonológico. A dislexia é uma afecção isolada, o que significa que não está nem pode estar associada a outras dificuldades cognitivas como a deficiência mental ou uma oligofrenia de maior ou ou menor grau. O diagnóstico de dislexia deve apenas ser ponderado quando é feita uma despistagem cuidada a nível cognitivo e sensorial, e somente quando se comprovar a ausência de défices nestas áreas (ou quando, havendo, eles não explicam a perturbação na leitura e escrita) faz sentido, clinicamente, considerar a hipótese da dislexia.
Estudos recentes têm vindo a considerar que apesar de manifestações diferenciais entre culturas (o nível ortográfico da língua materna pode apresentar à partida maiores ou menores dificuldades) existe uma unicidade neurobiológica na dislexia. As regiões cerebrais perisílivas, nomeadamente o giro frontal inferior, o giro temporo-parietal médio e superior e a região temporo-occipital encontram-se, nos indivíduos disléxicos, num nível de activação inferior quando comparados com indivíduos de controlo. Foram também detectadas ectopias microscópicas, as quais representam, basicamente, mal formações nas camadas arquitectónicas corticais ao nível do planum temporale. Estas manifestações foram encontradas em indivíduos disléxicos de várias nacionalidades e que, apesar de terem dificuldades distintas entre eles, tinham aproximadamente o mesmo nível de desfasamento de leitura/escrita quando comparados com sujeitos-controlo da mesma nacionalidade.
A dislexia representa, por isso, um défice fonológico caracterizado neurobiologicamente por uma hipoactivação de determinadas áreas cerebrais, nomeadamente da junção temporo-occipital, responsável pela integração e automatização da leitura. Sendo o diagnóstico imagiológico extremamente difícil de conseguir, é contudo necessária a acuidade dos técnicos de educação e saúde para a elaboração do diagnóstico apenas baseado em informação clínica. As co-morbilidades mais comuns devem também ser analisadas, como as perturbações na lateralidade, dispraxia, défices de atenção, hiperactividade, coordenação visuo-motora, etc.