quarta-feira, abril 04, 2007

Da Amizade no Homem e na Mulher

Na vigésima página do Jornal de Notícias de 28 de Março – Edição Porto – encontrei uma notícia que se refere aos resultados de uma investigação realizada no Centro de Pesquisa sobre Mudança Sócio-Cultural da Universidade de Manchester. Este núcleo, na sua maioria constituído por sociólogos coordenados por Gindo Tampubolon, estudou dez mil indivíduos ao longo de quatro anos e chegou à conclusão assim apresentada pelo JN: «as mulheres são “melhores” na amizade do que os homens». Não são referidas quaisquer informações acerca do procedimento e/ou metodologia desta investigação, salvo duas informes: a franja socio-económica que abarca e o esclarecimento do seu apoio financeiro por parte da Comissão Europeia.

Diz o coordenador no Núcleo que a amizade demonstrada por uma mulher «é mais profunda e mais moral (os sublinhados são meus), na medida em que o que está em causa é a relação em si e não aquilo que se poderá ganhar com ela». Ainda de acordo com o Dr. Tampubolon a mulher na amizade «dá pouca importância à distância a que o outro mora ou ao estrato social a que pertence». Mais, as mulheres encaram a amizade «como uma forma de se expressarem e de formar a sua própria identidade», enquanto os homens procuram «o que há nisso que seja do seu interesse».

Devo dizer que compreendo a mensagem que o Dr. Tampubolon e a sua equipa tentaram transmitir. É bem sabido que as diferenças psicológicas e sociológicas entre os dois géneros são tão mais evidentes quanto as colocarmos no plano relacional, e elas encontram expressão se considerarmos os últimos trabalhos feitos nessa área, os quais primam por duas vertentes: a neuropsicológica e a filogenética. As conclusões primordiais destas disciplinas têm produzido conhecimentos interessantes, os quais, grosso modo, podem ser resumidos em alguns pontos, necessariamente incompletos: as diferenças neuroanatómicas e neurofisiológicas encontradas no cérebro de homens e mulheres levaram ao conceito de «dimorfismo cerebral» no caso do cérebro feminino, o qual permite às mulheres melhor desenvolvimento de competências como a interpretação emocional (em suma, capacidade de contacto emocional), sensibilidade social e fluência verbal. Por outro lado, a configuração neurológica do cérebro masculino conferiu-lhe melhor apetência no raciocínio espacial, mecânico e instrumental, e a «personalidade masculina» é, de facto, bem marcada pelo seu pragmatismo (Tampubulon diria «interesse», eu digo «pragmatismo»).

A nível de desenvolvimento psicológico as diferenças são também claras e denunciam a melhor habilidade do sexo feminino na interacção social, o qual pode ser visto por vários pontos de vista (desde uma abordagem mais sociológica a uma outra mais psicanalítica), os quais não irei expor aqui. Em suma, as conclusões apresentadas por esta equipa referem-se a diferenciais de género que se conhecem há muito e que têm vindo a ser estudado por várias disciplinas.

O que, a meu ver, esta equipa de investigadores realmente conseguiu fazer foi dar um estéril exemplo daquilo que deve ser investigação científica. As conclusões citadas e retiradas do próprio coordenador da investigação transmitem um juízo de valor perfeitamente manifesto bem como uma certa arrogação de conceitos de moralidade. Quem lê esta notícia fica com a ideia de que o homem é um amigo «interesseiro» e «egoísta», incapaz da «verdadeira amizade» que está apenas ao alcance da mulher. Não são minimamente exploradas as bases científicas que explicam o comportamento social dos dois géneros – não é, aliás, tomada nenhuma atitude explicativa –, as quais enquadrariam estas conclusões num campo mais condigno ao da investigação científica.

4 comentários:

Igor Lobão disse...

Olá Ricardo.

Parece-me que, a valiar por um bom n.º de estudos "científicos" sobre a essência da alma humana (um grande número de estudos), o campo da investigação científica, na sua maioria, resume-se a isso: lixo para arquivo, sem qualquer utilidade e sem qualquer uso futuro - por exemplo, saiu à pouco tempo um estudo em que comprovaram cientificamente que quanto maior for o comprimento dos dedos maior a agressividade. Pergunto-me o que é isso: comprovar cientificamente? É alguma garantia de uma verdade indiscutível?

Aliás, os estudos dos nossos colegas comportamentais são um bom exemplo. São estudos bons para serem arquivados, e eles sabem disso, tanto que é o destino da maior parte das suas monografias de licenciatura e de mestrado. Arquivo. E ainda bem que agora existem os ficheiros informáticos, caso contrário, o volume de papel gasto e amontoado seria mais que muito.

Só que esses estudos científicos, na minha opinião, hipotecam o "sujeito", desprezam o que não conseguem 'capturar' na sua lógica proposicional, o 'acontecer', como diria Deleuze, do sujeito, o incapturável real do acontecer, que decorre inclusivé através do tratamento estatístico dos dados recolhidos.

Não nos esquecermos do princípio da falsificabilidade de Popper é um bom início para sabermos que não podemos confundir as descobertas científicas com o Real em si.

Decorre daí a necessidade de quem trabalha na clínica 'psi' estar atento para os abusos da legitimação do saber científico e das formulas científicas que retiram espaço para o sujeito, que retiram o sujeito de 'cena', como é o caso da d'homemsticação comportamental.

É lógico que quando equivocarem ao encontrar a resposta científica para a angústia no funcionamento do cérebro, qual será o espaço para o sujeito se responsabilizar numa mudança do seu funcionamento subjectivo sem aderir aos 'comprimidos da felicidade'?

Igor

Ricardo Pina disse...

Caro Igor,

Não sei exactamente qual é formação que a maioria desses investigadores tem numa disciplina fundamental para qualquer área de desenvolvimento científico: a epistemologia. Quando falou em Popper e na diferença entre aquilo que se estuda e o Real em si lembrei-me imediatamente de três autores:
- Kant, que distinguiu o númeno (o Real em si) do fenómeno (o Real perceptível);
- Bachelard, para quem o conhecimento é sempre uma construção;
- e Piaget, que estudou precisamente o mecanismo de construção do conhecimento.

A ciência actualmente arroga o direito do conhecimento de uma forma prepotente. A ciência é, aliás, uma actividade humana prepotente que a sociedade faz questão de fomentar e fortalecer. Hoje em dia não há pasta de dentes ou detergente que tenha sucesso se os seus resultados não forem «comprovados cientificamente»... esta «endeusificação» da ciência parece-me ter exactamente as mesmas origens de procura de resposta inerentes, por exemplo, à criação da própria ideia de Deus... As perguntas que assolam o ser humano são sempre as mesmas, não acha? a forma como se colocam é que parece modificar-se com o tempo...

É sempre um prazer saber de si neste blog.

Cumprimentos.

Rosa Silvestre disse...

Os estudos efectuados não me parecem ter muito fundamento. Qualquer estudo por muito pouco científico que seja deverá referrir os procediemntos utilizados,a metodologia empregue, etc, senão poderemos questionao o porque de somente se questionarem 10 mil individuos e não 20 mil, porque na universidade e não numa fábrica, numa empresa...bom muito haveria a dizer! e se esquecermos o princípio da falsificabilidade de Popper como diz o Igor, então muito mais haveria a dizer.
O que sei na minha vivência, relativamente a géneros (que tem muito que se lhe diga!...pois há os meio-termos)é que já tive como amigas, mulheres que julgava amigas e homens que julgava inimigos e vieram a revelar-se amigos, quando deles necessitei. portanto amigo Ricardo isso das mulheres seresm mais amigas do que os homens não me convence!
Um bjinho!Um bom feriado!

Ricardo Pina disse...

Beijinhos, Rosa :).