terça-feira, maio 08, 2007

A Função Materna: Perspectiva de Winnicott

A teoria psicanalítica de Donald Woods Winnicott permite que se atente para uma forma particular de compreender a constituição do ser como uma entidade unitária - «o si mesmo» -, assim constituindo uma importante mudança de paradigma em relação à psicanálise tradicional. Essa «constituição do ser» está, para Winnicott, menos ligada ao Édipo, mas fundamentalmente assente na relação de identificação primária da mãe com o seu bebé.

Assim, de acordo com Winnicott, o ser humano parte de um estado de não-integração inical, com tendências herdadas para o amadurecimento e com a necessidade de outro ser humano para esse amadurecimento ter lugar. Ele vai precisar de uma mãe-ambiente-continente que se identifique com ele e o ajude na sua integração, ou seja, a perceber-se no tempo e no espaço, reconhecendo-se no seu corpo e na realidade, permitindo uma vivência de omnipotência que é importante, neste início de vida, para combater a ameaça de falta de controle sobre o que se apresenta. A mãe, nesta fase, é um objecto subjectivo, parte do bebé, caracterizando um estado fusional ou de «dois em um». A integração, que tem início na elaboração imaginativa das funções do corpo, vai-se ampliando de acordo com os movimentos do bebé, abarcando também o seu relacionamento com o mundo externo.

Contudo, Winnicott não considerava que a possibilidade de a mãe se tornar o ambiente favorável para o bebé fosse dependente apenas de uma boa condição interna dela. Para o autor, ela precisa, também, de um ambiente que a assegure durante essa fase, o que Winnicott acreditava ser um papel paterno inicial. O pai precisa de sustentar o estado materno de preocupação, precisa de proporcionar à mãe um suporte, impedindo que ela se ocupe com coisas alheias à sua relação com o bebé.

É esse ambiente total - pai e mãe no exercício dos seus papéis - que vai permitir ao bebé o desenvolvimento do seu Eu. Ele assim vai experienciando os seus momentos de tranquilidade e impulsividade. O seu sentido de realidade vai sendo desenvolvido em função da sobrevivência repetida do objecto aos seus impulsos, o que lhe transmite a diferença entre facto e fantasia e, no seu devido tempo, entre realidade externa e interna. O bebé chega, assim, ao estádio do concernimento, no qual descobre a externalidade, percebe-se como um Eu separado de um não-Eu e começa a preocupar-se com as consequências da sua impulsividade. Somente a partir deste ponto poderá este bebé viver o complexo de Édipo, pois agora ele terá a organização interna que lhe permita experienciar a relação com um Outro.

3 comentários:

Rosa Silvestre disse...

Olá Ricardo.
Na perspectiva winnicottiana está implicita a implicação das experiências nos primeiros meses de vida do bebé na constituição da subjectividade, pois a carga pulsional oriunda dessas vivências iniciais, aos poucos, precisa ser conjugada com actividades proporcionadas pela mãe ou por aquela que presta cuidados básicos à criança e, ao mesmo tempo, lida com o seu ódio que decorre das frustrações necessárias nesses momentos.
Assim sendo, os comportamentos agressivos e anti-sociais são compreendidos como um movimento da criança em direcção às dificuldades em lidar com as frustrações iniciais, relacionadas com o processo de separação criança(eu)/– mãe/ambiente, que são sentidas como privações.
Para que haja um desenvolvimento realmente saudável, a esta condição inicial de dependência máxima do bebé, relativamente à sua mãe, deve corresponder uma condição de máxima adaptação da mãe ao seu bebé. Nestes estádios iniciais da existência humana, qualquer falha na adaptação pode produzir um estado de perturbação passível de atingir a intensidade de um "aniquilamento", equivalente à sensação de destruição, num estado de completo isolamento , de estar desligado de seu próprio corpo ou perdido no espaço.
Bom tema!Bom fim-de-semana. Beijinhos.

Ricardo Pina disse...

Olá Rosa!

Penso que «harmonia» será um conceito interessante para designar essa condição de dependência máxima, fusional e anobjectal tão fundamental para a formação da personalidade. E tem toda a razão no que afirmou em relação às falhas que podem eventualmente formar-se neste estádio inicial, podendo resultar num processo de diferenciação somatopsíquica insuficiente para conter os movimentos Eu/não-Eu, internalidade/externalidade.

Contudo achei muito interessante também a perspectiva da função paterna, tão facilmente negligenciável nos primeiros meses de vida que, mesmo secundária (revela-se em prover as condições à mãe para uma completa dedicação à maternidade), se prova importante na criação de um ambiente-continente propício ao desenvolvimento óptimo da criança.

Obrigado pelo seu comentário. Beijinhos.

Andréa disse...

Oi Ricardo!
Bastante elucidativo, o texto que escreveu. Aqui na cidade onde resido, terá um encontro anual sobre Winnicott, e apresentarei um trabalho com tema, com base em atendimentos que faço: A função da mãe.