sexta-feira, março 23, 2007

Psicólogos que não podem ensinar Psicologia

Li recentemente na página do Sindicato Nacional dos Psicólogos um daqueles comunicados de profundo carácter político (um mal necessário), no qual a Direcção do dito organismo expressava veementemente a sua revolta face à interdição dos psicólogos para leccionar a disciplina de Psicologia no Ensino Secundário. Nesse insurrecto texto pareceu-me, a mim – um sujeito pouco ligado a estas coisas da governação, mas consciente da sua pertinência e indispensabilidade –, que os argumentos pouco sapientes dos vários Executivos que ao longo dos anos passearam a sua ordem pelo País foram perfeitamente desprestigiados pela lógica e razão apresentados pelo Sindicato. Reafirmando a minha ignorância perante estas temáticas, não posso contudo deixar de referir que a equação na mesa me parece demasiado simples para justificar várias discussões a ela concernentes, pelo que tentarei expor aqui a minha modesta opinião de forma despretensiosa.

Tendo em conta a conjuntura sócio-económica deste Portugal em que vivo, as razões desta pequena falácia parecem-me ter proveniência, a começar, num preciso móbil: dinheiro, ou a falta dele. É que contratar psicólogos para leccionar Psicologia implica por ventura pagar-lhes pelo serviço, o que nesta altura parece uma diligência demasiado crítica para o módico Orçamento de Estado que teima em ser módico há demasiados anos consecutivos. Além do mais existem os licenciados em Filosofia que, aparentemente, têm de ser postos a fazer alguma coisa além de leccionar Filosofia, e como pôr um licenciado na disciplina de Kant e Descartes a ensinar Matemática ou Biologia tornaria o absurdo demasiado evidente (não obstante o grande contributo de Descartes para ambas) opta-se assim por uma outra solução, a qual apenas parece menos disparatada porque a diferença entre Filosofia e Psicologia ainda é suficientemente esbatida para não ser clara. Para isto muito contribuiu a própria Psicologia, que não conseguiu ainda emancipar-se completamente das suas raízes e afirmar-se categoricamente como uma disciplina individualizada, científica e única, pese embora a sua idade juvenil e as suas dificuldades de crescimento em Portugal, por razões várias e pouco importantes para o tema deste post.

Sendo uma das minhas disciplinas predilectas, a Filosofia surge-me como uma reflexão importantíssima da «existência» e do «ser», no exercício da abstracção e das dúvidas humanas fundamentais – «quem somos, de onde vimos, para onde vamos?» –, e sem dúvida que a Psicologia lhe deve muito desde os tratados da alma na Antiguidade Grega. Mas estará um licenciado em Filosofia habilitado a leccionar Psicologia? Absolutamente que não. Desde o ano de 1879 em Leipzig que a Psicologia tenta (quase desesperadamente) assumir-se e personalizar-se, qual disciplina adolescente em plena fase de identificação, absorvendo contributos de várias outras áreas consideradas «científicas» para não lhe ser posto em causa o seu estatuto de «cientificidade». Actualmente a Psicologia conseguiu, a meu ver, um grau respeitável de emancipação, mas este continua a não possuir a robustez necessária à perfeita compreensão, por parte da comunidade, do seu exercício, método e objectivos. Esta parece-me ser a razão mais importante de «confusões» deste tipo.

Considero equivalentemente absurda a ideia de um licenciado em Psicologia ter habilitações para leccionar Filosofia. São disciplinas diferentes, com diferentes abordagens, objecto e balizas, que devem ser veiculadas por pessoas com formação na área. É um direito e dever do psicólogo poder leccionar Psicologia, pois apenas ele possui legitimidade para o fazer.

4 comentários:

Ana Almeida disse...

Não podia concordar mais.
Beijos

Rosa Silvestre disse...

Também acho que somente quem possui uma licenciatura, mestrado ou doutoramento em Psicologia é que deve ministrar aulas dessa disciplina.
Efectivamente por falta de dinheiro fazem-se as mais absurdas falácias!

Igor Lobão disse...

Talvez seja a altura de levarmos a luta pelos nossos direitos profissionais o mais longe possível, seja na educação, seja nas instituições de saúde mental, onde o psicólogo surge ainda, de forma mais ou menos mascarada, subalternizado face ao psiquiatra.

Não deixa de ser curioso este sintoma social, esta cegueira onde se confundem os papeis de psicólogos, filósofos e psiquiatras.

Igor

Ricardo Pina disse...

Caras Ana e Rosa:

«Money, so they say, is the root of all evil today.
But if you ask for a rise its no surprise that they're giving none away»...

Pink Floyd - «Money»
The Dark Side of The Moon, 1973

Caro Igor,

De facto também me parece que esta obnubilação das especificidades dessas várias disciplinas constituem um sintoma social, uma retirada inconsciente da emergência da indagação e da «pathos»...
Cabe-nos, de facto, a nós (psicólogos) afirmar a nossa identidade profissional e combater essa omniscientização da figura do médico em Portugal.

Cumprimentos a todos!