Numa altura de ascensão e domínio da Internet como meio privilegiado de comunicação na sociedade internacional, nela imperando os sites de relacionamento social (como sejam o Hi5 e o MySpace, blogs pessoais, fotoblogs e semelhantes), assiste-se tendencialmente a um movimento de aproximação centrípeto nunca antes visto entre a comunidade, o qual fez com que a Time Magazine honrasse todos os utilizadores da Internet com o título de Person of the Year 2006.
Na cover story desse número da Time, Lev Grossman afirma que a Internet, na sua versão actual, «is a massive social experiment», terminando com uma reflexão, a meu ver, muito interessante: «this is an opportunity to build a new kind of international understanding, not politician to politician, great man to great man, but citizen to citizen, person to person». Sem dúvida, esta tendência mudará o mundo e o relacionamento pessoal tal como o entendemos hoje, afectando todas as faixas etárias e classes sociais, o qual não exclui, obviamente, os psicólogos.
Tal facto leva-nos a questionar o que irá acontecer com a protecção da individualidade do psicólogo e as suas consequências na actividade profissional. Aliás, esta questão põe-se já actualmente, tendo em conta a proliferação e o impacto de sites de relacionamento social, do quais o maior representante em Portugal é o Hi5.
Na literatura científica predomina o conceito que defende a individualidade e a neutralidade do psicólogo, devendo os seus aspectos pessoais como gostos, preferências, valores e referências manter-se ocultos ao paciente. Se até há pouco tempo tudo isso se encontrava protegido, reservado ao círculo social do psicólogo, hoje basta um clique para aceder à sua página do Hi5 ou ao seu blog e com isso conhecer a sua individualidade.
Que tipo de consequências serão acarretadas se tal acontecer numa relação clínica? Se a neutralidade do psicólogo, o seu carácter «cinzento» e desconhecido, constituem uma das suas principais ferramentas clínicas e torna a própria relação terapêutica numa relação diferente de uma amizade ou companheirismo (não só este facto, mas também ele), o que se espera com este trespassar de limites e fronteiras?
Considero esta uma questão muito pertinente e actual, pelo que convido todos os visitantes deste blog a dar a sua opinião sobre ela.
8 comentários:
Olá Ricardo Pina e Eliana Vilaça.
Novamente, o Ricardo inicia o debate de um tema bastante interessante e sem papas na língua (como eu gosto).
Nestas questões, acho que o bom senso deve prevalecer. Claro que aquilo que eu considero bom senso, outros colegas poderão não o achar. Acho que a exposição dos psicoterapeutas, mais do que dos psicólogos (e considero importante a distinção, porque nem todos os psicólogos são psicoterapeutas)deve ser moderada e promover uma imagem de respeito pela diferença e pela alteridade.
Já lá vai o tempo (felizmente na minha opinião) em que se confundia neutralidade com frieza, distância despropositada e impenetrabilidade. Considero que os nossos pacientes/clientes devem poder perceber que nós também somos pessoas como eles e que também temos que lidar com os nossos problemas. A grande assimetria que existia entre paciente e terapeuta tende, nas teorias mais actuais, a diminuir. A Psicoterapia é o encontro entre duas pessoas, no qual uma delas está disposta a abdicar temporariamente das suas inclinações pessoais para se dedicar ao estudo, acompanhamento e investigação da vida psíquica do outro. O terapeuta não é melhor do que o paciente, está simplesmente numa posição diferente e se tudo tiver corrido bem, será um pouco menos susceptível ao adoecer psíquico.
A exposição íntima, como pode acontecer nos chats pode, na minha opinião, ser profundamente prejudicial para uma psicoterapia. A relação psicoterapêutica exige, para ser eficaz, a não partilha intima dos intervenientes fora da sessão. A própria sessão é um acto de profunda intimidade e exposição de um dos intervenientes, mas é suficientemente controlado pelas normas do exercício da actividade. O tipo de intimidade que emerge numa sessão ou processo psicoterapêutico é de um cariz completamente diverso da intimidade que se gera na partilha de confidências mútuas nos chat. Em psicoterapia não há troca de confidencias, apenas a comunicação da vida psíquica de um ao outro. Não é um canal de dois sentidos, mas de um apenas. As trocas entre psicoterapeuta e paciente são íntimas, mas não se processam em igualdade de circunstâncias para ambas as partes.
Acho que os psicoterapeutas se devem abster de participar em chats públicos em que lhe seja solicitada a exposição das suas vidas pessoais; contudo considero que os psicoterapeutas podem e devem tornar publicas as suas posições perante a própria psicologia e psicoterapia. O paciente tem o direito de saber o que nós pensamos sobre aquilo que fazemos e sobre a nossa forma (genérica) de ver o mundo.
Colocando-me no lugar do paciente, acho que tenho o direito de não querer ser tratada por um psicoterapeuta que seja de extrema-direita, racista ou xenófobo. Acho que tenho o direito de escolher um psicoterapeuta que partilhe comigo alguns dos meus princípios fundamentais.
Não sei nada sobre psicologia!!!
Mas sei que o Ricardo tem um coração enorme!! Um amigo, um grande amigo!!
Parabéns pelo enorme profissionalismo e por todo o empenho que colocas neste blog!!
Tenho muito orgulho em ti!!
Na minha opinião, como enfermeira, existe diferença entre frieza, distanciamento e neutralidade profissional. O distanciamento pode indicar uma pessoa que não confia em outros, uma pessoa a quem lhe é difícil a comunicação com os outros, neste caso, os pacientes. Na realidade, a comunicação é necessária para criar empatia e esta, por sua vez, é necessária para interagir com um paciente. Mas para se ser empático não é necessário expormos toda a nossa individualidade, pois isso pode acarretar-nos alguns problemas, se tivermos em atenção que cada um deve ser respeitado na sua individualidade e ao comunicarmos com um paciente com perturbações emocionais, por exemplo, devido ao que ele sabe de nós pode vir a fazer chantagem com isso...é o que penso, por algumas vivências que já tive.
Claro está que a relação social on-line pode influenciar no relacionamento profissional/paciente mas acho que o profissional deve estar atento para o perigo que ela pode vir a ter e as suas consequências. Na realidade, não sabemos quem é a PESSOA que está a teclar...será que as relações on-line são fiáveis a 100%?
Ricardo, parabéns pela pertinência do post!
Começo por agradecer a todas as pessoas que responderam ao apelo e comentaram este post. Cumprimentos a todas elas e um beijinho especial para ti, Caty;)!
Quanto a esta questão, ela realmente deve ser resolvida particularmente de cada um para ele próprio. É, de facto, como o afirmou a Dra. Ana Almeida, uma questão de «bom senso», devendo cada um discernir o que é, para ele, «bom senso». Nesse aspecto, a minha opinião vai muito de encontro à da Dra. Ana Almeida, pelo que me absterei de aprofundá-la - remeto o interessado para o comentário feito pela Dra. Ana Almeida. Ele resume muito bem o meu ponto de vista.
Caros colegas.
Esta é realmente uma questão importante e creio que sua colocação por Ricardo Pina é bastante apropriada.
Gostaria apenas de acrescentar algumas reflexões ao que já foi dito. Creio que seja de todos a opinião de que, como disse a Dra. Ana Almeida, deve prevalecer o bom senso. A questão que se coloca então é a de estabelecer o limites desse bom senso. Deve também o psicólogo abster da criação de blogs, da participação em comunidades virtuais e outros instrumentos de sociabilidade da internet?
Penso que a questão não é assim tão facilmente respondida, mas acho que, antes de abster-se da exposição no mundo virtual, o psicólogo deve estabecer os limites (e aí sim o bom senso é imprescindível) daquilo que quer/pode/deve expor ou não no espaço público.
Todos temos uma imagem pública, temos nossos ambientes reais de sociabilidade. Se nossos pacientes não podem saber nada de nossa vida pessoal, então não podemos atender pessoas que frequentem os mesmos espaços de sociabilidade, que morem na vizinhança, que trabalhem no mesmo prédio, etc.
Na internet não deve ser diferente. Não vejo problema que o paciente tenha acesso ao conhecimento do que seu terapeuta é publicamente. Mesmo que isso inclua uma ou outra informação pessoal. A questão está em como construímos nossa imagem pública, o quanto podemos ou não expor de nossa intimidade, não apenas a pacientes, mas às pessoas de um modo geral.
E aí, concordo com vocês, a discrição é a melhor solução na exposição pública do psicólogo. O que não significa que ele precise privar-se da participação na "aldeia global".
Olá, Tatiana. Seja bem-vinda e muito orbigado pela sua opinião.
Em relação ao seu comentário acho mesmo que o psicólgo não pode abster-se dessa emergente aldeia global, uma vez que ele ou ela, como disse, tem também uma imagem pública. Sim, de facto prevalece o bom senso e o conceito que cada um faz de bom senso, que passa inevitavelmente por uma imposição de limites, mas que nunca poderá ser uma mutilação completa de informação social, o que é até impossível... o segredo provavelmente está na discrição e na idoneidade da nossa apresentação social.
Cumprimentos!
devia haver uma entidade (uma Ordem dos Psicólogos) que introduzisse no código deontológico a não participação em blogues e H5s de forma identificável (ou seja, apenas de forma anónima)....... quem que essa norma não iria prejudicar assim tanto a vida pessoal/profissional dos psicólogos...
Gostei muito deste tema! Aproximou-nos, não é? Penso que a exposição do(a) psicólogo(a) é variável e bem protegida, desde que se escolha a forma de participar na internet.Para o(a) blogueiro há recursos infindáveis de privacidade e cada profissional estabelece o seu grau. Não gosto de conceder imersões no espaço privado, devido aos motivos comuns as abordagens psicológicas. Convenhamos que uma pessoa pode muito bem rastrear-nos, e como pessoas comuns temos de nos proteger. O que me interessa sobremaneira é justamente: como continuará a psicologia clínica após nossos blogs? Que acréscimo isto dará a ela como ciência e profissão?
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