Genericamente, «ser» remete a um traço, e «estar» a um estado. Por traço entende-se uma característica inerente, invariável e estruturante de algo, enquanto que a noção de estado remete para uma dimensão mais transitória, causal/acidental e não estruturante. Por conseguinte, «ser» algo implica o juízo predefinido de que nunca vamos deixar de o ser, e «estar» acarreta a ideia preconcebida de que, mais cedo ou mais tarde, iremos mudar. Tal diferença de conceito está obviamente alicerçada na semiologia precisa subjacente às noções de «ser» e de «estar», e a sua utilização parece-me extremamente útil do ponto de vista clínico, uma vez que ela pode permitir a noção de transitoriedade do sofrimento psíquico do paciente, bem como a descentralização da patologia no seu Eu.
A percepção do paciente, para o clínico, induz de forma inevitável a sua atitude clínica e terapêutica. Para adquirir uma função realmente terapêutica, é necessário existir, da parte do clínico, uma tomada de intelecção do paciente como pessoa, ao invés de uma patologia. A história, os desejos, medos, valores, princípios, sonhos e ambições do paciente devem ser tomados como fundamentais, numa curiosidade verdadeiramente humana, relacional e emotiva.
Não existe nenhum médico, psicólogo, psicanalista ou psicoterapeuta que trate doenças. Todo o clínico trata, sim, pessoas que sofrem de uma doença. Nenhuma patologia existe per si, dissociada do corpo e da mente de quem afecta. Como tal, o clínico deve focalizar a sua percepção, nuclearmente, na pessoa do paciente que se encontra afectado pela doença. A pessoa não «é» doente, no sentido de que a doença define quem ele é, mas quem ele é «está» afectado pela doença, mesmo que se trate de uma patologia crónica e/ou progressiva.
É extremamente importante realçar esta distinção, tanto para o clínico como para o paciente. Para o primeiro ela revela-se na necessidade de uma atitude compreensiva, verdadeiramente clínica, direccionada para um encontro/contacto relacional que se pretende proficiente e terapêutico. Para o segundo, estabelecer a diferença entre ele próprio e a sua doença permite-lhe compreender que ele não é meramente um calvário do seu diagnóstico, mas uma pessoa tão real e digna de respeito como qualquer outra que, infelizmente, sofre. A doença deve ser sempre realçada ao paciente como uma característica, conquanto indesejável, acessória e nunca definitiva ou reveladora de quem ele(a) é como ser humano. Insistir na distinção dizendo que «você não é ansioso(a), você é uma pessoa que sofre de ansiedade» permite perceber ao paciente a real distinção entre aquilo que é o seu diagnóstico e aquilo que o define como pessoa.
Uma grande parte da responsabilidade de os pacientes se submergirem no peso rotulador do seu diagnóstico é, ironicamente, dos próprios clínicos, que muitas vezes são facilmente seduzidos pelos tratados de psicopatologia, critérios de seriação sintomática, descrições psicopatológicas e taxonomias nosográficas, reduzindo todo o conhecimento que poderiam obter do seu paciente ao seu sextante bibliográfico (como por exemplo o DSM-IV), o que desemboca inevitavelmente no trilho antagónico àquele que é, por definição, clínico: em vez de adaptarem o seu conhecimento aos pacientes, adaptam os pacientes ao conhecimento…
Por esta razão é extremamente importante que os próprios clínicos se descentrem da sua visão psicopatológica e distante da vivência do paciente, elaborando para si mesmos a distinção entre o que é a sua patologia e a pessoa que dela padece. Simultaneamente, fazer entender a mesma distinção ao próprio paciente no sentido de obter um reforço da autonomia do Ego permitir-lhe-á desprender-se dos conceitos associados à doença mental e adquirir um sentimento de controlo (ainda que mínimo) sobre si mesmo e o seu futuro.
A percepção do paciente, para o clínico, induz de forma inevitável a sua atitude clínica e terapêutica. Para adquirir uma função realmente terapêutica, é necessário existir, da parte do clínico, uma tomada de intelecção do paciente como pessoa, ao invés de uma patologia. A história, os desejos, medos, valores, princípios, sonhos e ambições do paciente devem ser tomados como fundamentais, numa curiosidade verdadeiramente humana, relacional e emotiva.
Não existe nenhum médico, psicólogo, psicanalista ou psicoterapeuta que trate doenças. Todo o clínico trata, sim, pessoas que sofrem de uma doença. Nenhuma patologia existe per si, dissociada do corpo e da mente de quem afecta. Como tal, o clínico deve focalizar a sua percepção, nuclearmente, na pessoa do paciente que se encontra afectado pela doença. A pessoa não «é» doente, no sentido de que a doença define quem ele é, mas quem ele é «está» afectado pela doença, mesmo que se trate de uma patologia crónica e/ou progressiva.
É extremamente importante realçar esta distinção, tanto para o clínico como para o paciente. Para o primeiro ela revela-se na necessidade de uma atitude compreensiva, verdadeiramente clínica, direccionada para um encontro/contacto relacional que se pretende proficiente e terapêutico. Para o segundo, estabelecer a diferença entre ele próprio e a sua doença permite-lhe compreender que ele não é meramente um calvário do seu diagnóstico, mas uma pessoa tão real e digna de respeito como qualquer outra que, infelizmente, sofre. A doença deve ser sempre realçada ao paciente como uma característica, conquanto indesejável, acessória e nunca definitiva ou reveladora de quem ele(a) é como ser humano. Insistir na distinção dizendo que «você não é ansioso(a), você é uma pessoa que sofre de ansiedade» permite perceber ao paciente a real distinção entre aquilo que é o seu diagnóstico e aquilo que o define como pessoa.
Uma grande parte da responsabilidade de os pacientes se submergirem no peso rotulador do seu diagnóstico é, ironicamente, dos próprios clínicos, que muitas vezes são facilmente seduzidos pelos tratados de psicopatologia, critérios de seriação sintomática, descrições psicopatológicas e taxonomias nosográficas, reduzindo todo o conhecimento que poderiam obter do seu paciente ao seu sextante bibliográfico (como por exemplo o DSM-IV), o que desemboca inevitavelmente no trilho antagónico àquele que é, por definição, clínico: em vez de adaptarem o seu conhecimento aos pacientes, adaptam os pacientes ao conhecimento…
Por esta razão é extremamente importante que os próprios clínicos se descentrem da sua visão psicopatológica e distante da vivência do paciente, elaborando para si mesmos a distinção entre o que é a sua patologia e a pessoa que dela padece. Simultaneamente, fazer entender a mesma distinção ao próprio paciente no sentido de obter um reforço da autonomia do Ego permitir-lhe-á desprender-se dos conceitos associados à doença mental e adquirir um sentimento de controlo (ainda que mínimo) sobre si mesmo e o seu futuro.
8 comentários:
Bom post, tal como o anterior.
É importante não esquecer que está uma pessoa à nossa frente, uma pessoa que tem muito mais do que a doença. Mesmo quando se tratam de pessoas que sofrem de alguma patologia fisica, e que centram a sua vida toda em torno dessa doença, é importante sentirem que a Maria ainda existe e não somente alguém que transporta consigo uma doença. E lembrei-me particularmente das patologias fisicas, porque é bastante comum, por exemplo, em certas patologias crónicas (em que há a consciência que não é um estado transitório), a identificação da pessoa com a doença. Poucos dizem, "eu tenho diabetes", mas sim "eu sou diabético", sendo bastante dificil conseguir a descentração de uma doença que nos acompanha todos os dias.
Sim, Sara, é de facto bastante difícil... E muitas vezes sucede que são as próprias pessoas a alimentar esse sentimento de identificação com a doença (uma «patologização» do Eu) uma vez que tal lhes confere atenção e carinho dos médicos, amigos e familiares... E isso, grosso modo, acontece principalmente nas patologias físicas, mas é bastante mais raro na psicopatologia... Pouca gente diz «sou neurótico» com a mesma leveza do que se diz «sou diabético», e isto, parece-me, está sem dúvida associado ao estereótipo e ao estigma da doença mental.
Se na patologia física o paciente vê a possibilidade de ganhos secundários (aqueles que referi acima) na doença mental isso é mais difícil de acontecer. Contudo, a banalização da depressão já faz com que se assista a qualquer coisa semelhante, mas isso acontece na depressão e pouco mais. Em toda a patologia que se enquadre minimamente com a noção popular de «loucura» (esquizofrenia, PMD) a reacção das pessoas já é bastante diferente...
Olá Ricardo Miguel Pina.
Parabéns pelo seu blog e pelos seus post que são de grande qualidade. Irei, assim que tiver um bocadinho de tempo, escrever um post no Salpicos referindo este seu post, como já fiz, aliás, com o anterior.
Acho que chama a atenção para um fenómeno muito importante. Parece-me, contudo que as coisas se complicam particularmente na psicologia clínica porque nem sempre é fácil diferenciar a personalidade da psicopatologia de que “ela sofre”. Em algumas situações nem me parece ser total e completamente correcto. As variantes entre o normal e o patológico e as flutuações que qualquer um de nós está “sujeito” a viver fazem com que não seja linear a leitura de que a psicopatologia é uma coisa que nos acontece e da qual não temos qualquer responsabilidade, como, por exemplo, acontece com algumas doenças físicas. A psicopatologia tem, por vezes, uma relação tão íntima com a nossa personalidade que em algumas situações me parece legítimo dizer: “eu sou ansioso”. Mais do que a gravidade da psicopatologia, acho que o ser ou o ter, no sentido que apresenta no texto, poderá estar relacionado com a “extensão ou disseminação” da psicopatologia na personalidade. As psicopatologias da personalidade são, parece-me, um bom exemplo disso.
Olá, Ana Almeida. Agradeço-lhe imenso pela sua consideração bem como suas pelas felicitações. Já sabe que elas são retribuídas...
Quanto aos posts, francamente nem sei muito bem o que lhe dizer... Agradeço-lhe novamente. É sempre bom saber que os frutos da nossa dedicação são de alguma forma apreciados.
Quanto à chamada de atenção que fez, tem, de facto, toda a razão. Existem psicopatologias que nascem e se desenvolvem de forma tão intrincada na personalidade que a sua distinção do «Eu», além de arbitrária, parece impossível mesmo de um ponto de vista convencional. E concordo totalmente consigo quando afirma que a psicopatologia da personalidade é disso exemplar representante, mas não excluiria desse exemplo também as psicoses, incluindo as infantis.
Ler o seu comentário fez-me reler o post, e apercebi-me de que nele, de alguma forma, se encontra postulada uma barreira estanque entre o normal e o patológico que, realmente, não existe, e é essa inexistência que serve a base, precisamente, da pertinência da sua afirmação. Contudo, em muitos casos, considero que a mensagem do post permanece importante, apesar disso. A patologização por parte do psicólogo de qualquer personalidade, sadia ou mórbida, pouco valor terapêutico acrescentará à terapia... O melhor conselho será talvez aquele de devermos manter a nossa atitude clínica tão próxima e adaptada o mais possível do quadro que temos presente. Mas a errar, que erremos por excesso de zelo, e não por defeito..
Excelente post. Partilho destas ideias
Muito obrigado, Cristina!
Seja bem-vinda!
Cumprimentos
Ricardo, gostei muito do seu post, pois tenho muito interesse por esse assunto.Parabéns pela iniciativa de compartilhar seu conhecimento.
Gostaria de ter algumas informações sobre a Megalofobia, sei q é o medo de coisas grandes, mas isso é muito vago, tenho pavor de imagens grandes e não posso nem pensar em ver o Cristo Redentor, oque devo fazer, pode ser trauma de infância???
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